26/04/12

Poeira

A tristeza é uma cadeira de balanço --- cheia de pó e sem ninguém.

24/04/12

Conto de Horror

Nossos filhos não têm pais.

20/04/12

Quando Morreu Clarice

Clarice era tudo na minha vida. Fazia o jantar, lavava roupa, cortava-me as unhas. Cultivava, junto comigo, todos os meus sonhos. Todos. Punha-me o café da manhã à mesa, todos os dias, às sete horas em ponto. Clarice era mulher de verdade, sempre presente. Ela, sim, era participativa na vida do Lar e, consequentemente, na minha; bem como em todas as minhas demandas diárias. E nas minhas carências sentimentais e emocionais. 
Clarice sentia-se mulher e fazia com que me sentisse homem. Estava sempre pronta, para tudo. Incondicionalmente. Durante o futebol, na televisão, (junto com cerveja bem gelada e amigos em casa) aos domingos, fritava sempre os mesmos salgadinhos: recheio de carne com cebola e molho picante. Deliciosos como sempre. Receita da mãe. Nunca reclamou. Nunca. Nem do barulho e nem da sujeira que ficava.
Filhos nunca tivemos. Porque não quis. Dão muito trabalho. Despesas. E depois acabam por começar a quebrar coisas em casa; ou então, quando não viram viados ou sapatões, dão para o roubo; depois que viram adolescentes drogados, claro. Porque um dia todos eles viram adolescentes drogados. Mas ela, Clarice, sempre quis. E morria de inveja da minha prima, Joana. Joana e o marido, o babaca do Gonçalo, tiveram duas meninas e um menino. Dizem que são felizes. Mas não acredito. Até porque minha prima sempre trabalhou fora. E mulheres casadas que trabalham fora tendem sempre para o divórcio ou adultério. Mas enfim, problema deles. Clarice nunca trabalhou. Nunca deixaria. E ela nunca reclamou. Ou seja, nunca fez questão. Acho. Pareceu-me sempre tão feliz em sua condição de mulher casada e dona de casa. Se bem que de uns tempos pra cá andava meio tristinha. Mas pensei que era apenas por causa dessas coisas de Menopausa de que tanto falam na TV. Nunca imaginei que fosse algo realmente sério.
Mas... Clarice... Clarice matou-se, hoje de manhã, depois que saí para o trabalho. Usou veneno de rato. Um restinho de nada do que havia comprado, há quase dois anos, na esquina da Av. Anchieta com a rua do Logradouro. Nem era de qualidade. Cinco reais. Merda. "Suicidou-se", disseram seus pais, "porque não tinha vida." Segundo eles, Clarice vivia pra mim. Vê se pode.